Hoje o assunto vamos falar de gastronomia francesa, um assunto muito agradável, no sentido pleno da palavra! Vamos desfrutar de uma conversa sobre comida, mas não sobre pratos feitos às pressas ou despreocupadamente.
Para entender como a França se transformou em referência — a ponto se ser considerada sinônimo de requinte, qualidade e sabor — precisamos revisar sua história.
O início da gastronomia francesa
Os franceses herdaram muito de seus antepassados gauleses — povo que ocupou a atual região franco-belga a partir do século III a.C. O prazer de comer bem, de festejar conquistas, fazer celebrações e rituais ao redor de uma mesa bem servida. Tudo isso foi herdado.
Não é por acaso que Goscinny e Uderzo, criadores do famoso gaulês Astérix, deram a esse personagem um amigo gorducho. Obélix era fã das delícias culinárias, especialmente javalis bem preparados.
Apesar dessa reconhecida fama histórica dos gauleses, muitos historiadores e pesquisadores acreditam que a formação da cozinha francesa começou depois. Quando Catarina de Médici (1519-1589) se casou com Henrique II (1519-1559), rei da França, levando com ela a também famosa culinária italiana, revolucionando a forma dos franceses se alimentarem.
Instaurando a sofisticação do bem comer mediante o uso de ingredientes inovadores para a França – como alcachofras e trufas. Assim, estabeleceu a étiquette à table.
A influência italiana se fundiu às raízes gaulesas ajudando a construir o que seria mais tarde uma cozinha (literalmente) estrelada. Foi nesse período do Renascimento que os doces foram aperfeiçoados em terras francesas.
Nessa época nasceu a célebre pâtisserie, com seus mil folhas (mille-feuilles), cremes e compotas.
A evolução da comida francesa
Essa nova realidade é totalmente incorporada à corte e não se perde com o passar dos séculos. As demandas extravagantes dos reis, o alto nível culinário exigido dos mestres e as rigorosas regras para pôr a mesa.
Pensar em luxo e glamour, inclusive gastronômico, nos remete à Versalhes, ou seja, a Luís XIV, o megalômano Rei-Sol. Tanto que acabou contratando o ambicioso cozinheiro François Vatel, suposto criador do creme de chantilly. A fama era tanta que seu apelido era “Mestre dos Prazeres e das Festividades”.
É verdade que os reis absolutos, como os “Luíses” e Maria Antonieta, caíram em desgraça durante a Revolução Francesa (1789-1799). O mesmo não aconteceu com os hábitos gastronômicos gestados pelos séculos anteriores.
Os restaurantes da gastronomia francesa
E é justamente durante esse período que o conceito de restaurante nasce. Apenas duas décadas antes da Queda da Bastilha pelos revolucionários, o parisiense Boulanger abre em 1765.
Este era um estabelecimento destinado a servir diferentes opções gastronômicas para os visitantes. Essa ideia abre o caminho para a fundação, na rue Richelieu de Paris, do primeiro restaurante de luxo do mundo. Surge a Grande Taverne de Londres, em 1782, por Antoine Beauvilliers.
A partir de então, se dá uma “explosão” de restaurantes em Paris e em toda a França. Passam de alguns a cem, e depois a 600, em pouquíssimo tempo. Nessa fase, os cozinheiros se debruçavam sobre receitas e ingredientes, fazendo combinações mirabolantes e criando pratos saborosos e encantadores.
É o caso de Marie-Antoine Carême, considerado até hoje o “rei dos chefs” e fundador da haute cuisine. Ficou conhecido por seus trabalhos com açúcar que mais pareciam obras arquitetônicas. Entre essas figuram as pièces montées, massas de marzipã nas formas mais inusitadas, como pirâmides, templos e ruínas.
Já na segunda metade do século XIX, um seguidor de Carême, Auguste Escoffier, renova os antigos métodos da culinária francesa. Sem deixar de lado a qualidade, o refinamento e a delicadeza gastronômica que caracteriza a cozinha da França.
E foi Escoffier o criador de pratos como a Pêche Melba (Pêssego Melba). Uma sobremesa que combina pêssegos cozidos e salpicados com açúcar cristal, coulis de framboesa e praliné, um tipo de caramelo de amêndoas.
Surge a Le Cordon Bleu
Em meio à profusão de criações como essa, e graças à consolidação definitiva da culinária francesa moderna, surge uma instituição. Em 1895 é fundada a famosíssima rede de escolas de gastronomia Le Cordon Bleu.
Ela ajuda a difundir ainda mais os requintados pratos franceses pelo mundo. A escola da “fita azul” ajudou a dar mais visibilidade e reconhecimento internacional aos chefs franceses e suas criações.
Por sua vez, no século XX, a cuisine française moderna alcança o apogeu com mestres como Paul Bocuse. Do sucesso máximo aos estrelados Michelin, a gastronomia francesa se destacou.
Bocuse, particularmente, também chamou a atenção para a região de Lyon. Ali estabeleceu o luxuoso Auberge du Pont Collonges, restaurante que serve menu tradicional lyonnais até a atualidade.
No Auberge podemos degustar o Escalope de fois gras poêlée. É um filé de fois gras salteado, geralmente acompanhado de cerejas agridoces e molho de cebolinhas brancas.
Porém, não é só em Paris ou Lyon que podemos degustar delícias francesas. As demais regiões também apresentam suas especialidades, igualmente encantadoras e sofisticadas.
A gastronomia francesa esse espalhando
A Normandia, região litorânea ao norte, oferece uma ampla gama de elaborações à base de frutos do mar. Sem se afastar do glamour do país e sem deixar de proporcionar aos gourmands experiências com pratos feitos com carne. Um exemplo disso é Caneton à la presse, carne de pato ao molho de vinho e caldo feito com a própria carne do animal.
Outra área litorânea que merece destaque é a Côte d’Azur, ao sul da França, centro da chique Riviera Francesa. O carro-chefe dessa região é a Bouillabaisse. Apesar de sua origem simples, em Marselha, foi aperfeiçoado com temperos e especiarias que o alçaram a posto de especialidade da Riviera.
E não só de pratos principais se faz a gastronomia francesa da Côte. Há aperitivos que encantam turistas e nativos, como a Tapenade, um patê de azeitonas com alcaparras, alho, azeite e anchovas. Ele deve ser consumido com torradas ou também usado como recheio de carnes.
Finalmente, podemos (e devemos!) mencionar a cozinha da Alsácia, região que recebe influência da culinária alemã por sua localização geográfica. A charmosa Alsácia encanta aqueles que provam o Kouglof, uma espécie de híbrido de bolo e brioche feito com uvas passas brancas. Realmente imperdível para quem passa por cidades francesas como Mulhouse, Colmar ou Strasbourg.
Sem dúvida, esse assunto não se esgota. A riqueza, variedade e classe da gastronomia francesa merece não apenas um artigo, mas muitos livros. Tanto por sua formação histórica quanto pela apurada elaboração que a caracteriza.
E essa cuisine merece principalmente a nossa disposição para conhecer sua variedade. Bon appétit !
1 Comment
Linda história… Muito importante saber sobre o surgimento da culinária…e principalmente saber da culinária francesa…admiro Muito.