A cidade de Paris é considerada a capital da moda mundial, e motivos não faltam para isso. Da costureira Gabrielle Chanel ao criador Karl Lagerfeld. Da antiga Gazette de Bon Ton à até hoje existente Vogue France. Dos frequentadores da Paris Fashion Week aos participantes do salão Première Vision. Da rainha guilhotinada Marie-Antoinette à influenciadora digital Jeanne Damas.
Apesar da distância cronológica que separa essas pessoas, lugares e situações, eles se conectam. Todos são frequentemente utilizados para afirmar que a França, ou melhor, Paris, seria o berço da indústria da moda.
Essa relação entre Paris e moda pode ser vista de diversas formas. Até mesmo na campanha a favor da utilização de máscaras nos lugares públicos que ocorreu em maio de 2020, a moda foi destaque. Os cartazes espalhados pela cidade diziam “À Paris, on ne sort jamais sans son accessoire tendance” (Em Paris, a gente nunca sai sem nosso acessório tendência).
A cidade não é a capital da moda à toa.
Mas de onde vem essa ideia de que Paris seria a capital da moda?
A fundação desse mito data do reinado de Louis XIV (1638-1715), que governou a França de 1651 a 1715. Foi a partir de sua corte, em Versalhes, que emergiram pelo menos três figuras essenciais para o desenvolvimento da moda em Paris.
Primeiramente, seu ministro das finanças Jean-Baptiste Colbert (1619-1683). Ele percebeu a relevância econômica dos vestuários e a importância atribuída à liderança do reino no domínio das aparências. Assim, desenvolveu medidas protecionistas e incentivou o setor têxtil do país, tanto na produção quanto na comercialização e captação de matéria prima.
Segundo estudos, ele teria dito que « la mode est pour la France ce que les mines d’or du Pérou sont pour l’Espagne » (A moda é para a França o que as minas de ouro do Peru são para a Espanha). Em referência à importância econômica das minas de ouro para a colônia espanhola.
Em segundo lugar, temos a rainha Marie-Antoinette (1755-1793), esposa do filho de Louis XIV. Ela tornou comum o costume de mudanças frequentes nas roupas — vamos lembrar que nessa época, as mudanças na moda eram super raras!
Por fim, mas não menos importante, sua costureira oficial, Rose Bertin (1747-1813). Ele é até hoje considerada a precursora dos costureiros que vão ganhar fama no início do século XIX.
É por isso que muitos historiadores afirmam que a junção entre o suporte governamental e o prestígio da corte foi crucial para o nascimento da moda na França. De forma que tais transformações permitiram com que Paris se tornasse a capital da moda.
Com isso, a cidade se transformou em uma estufa onde a moda pôde ser cultivada cercada de cuidados. Para mergulhar nessa época, veja esse documentário!
A união das maisons
Apesar desse histórico, é somente no final do século XVIII que veremos uma grande mudança na produção de roupas. Ela impulsiona Paris frente aos seus concorrentes da época. A mudança, aqui foi o surgimento da haute couture (alta costura), ou seja, a criação sob medida e artesanal de peças de roupas.
Temos em Charles Frédéric Worth um representante desse momento – não é à toa que se convencionou chamá-lo de “pai da alta costura”. Em 1910, o sucesso desse novo modo de produção foi gigantesco. As maisons que produziam começaram a se multiplicar e se organizaram em torno de uma câmara.
A Chambre Syndicale de la couture parisienne foi o local escolhido. E, assim, se estabeleceram regras e práticas de produção, mantendo a excepcionalidade das peças.
A intenção dessa câmara também era a de fomentar a indústria através de auxílios financeiros para a compra de tecidos. Outro objetivo foi protegê-la de possíveis ameaças como a indústria da cópia, que também começou a se desenvolver na primeira metade do século XX.
A Chambre Syndicale
Um episódio interessante da atuação dessa organização se deu ao longo da ocupação de Paris pela Alemanha nazista. A alta costura parisiense já tinha um prestígio reconhecido por todo o mundo, o que fez os alemães decidiram transferir a produção da capital da moda para Berlim.
Foi a atuação de Lucien Lelong, presidente da câmara da alta costura, que impediu que essa ideia se concretizasse. Com o final da guerra, mais especificamente em 1945, haute couture tornou-se uma nomenclatura legalmente protegida pelo Ministério da Indústria da França.
Isso significa que somente as marcas que possuem autorização podem se autonomear como tal – e assim permanece até hoje. Essa época foi o ápice da alta costura parisiense, algo que você pode confirmar nesse belo documentário.
A Chambre Syndicale ainda existe e atualmente faz parte de um órgão muito maior: a Fédération de la Haute Couture et de la Mode. Além da câmara da alta costura, a Fédération também:
- Reúne as câmaras que cuidam da produção de roupas em série (feminina e masculina);
- Presta serviços de consultoria para mais de uma centena de marcas (como Chanel, Louis Vuitton, Dior e Hermès);
- Detém o monopólio de decidir que marca pode ser chamada ou não de haute couture;
- Possui o objetivo de promover “la culture française de mode” (a cultura francesa de moda) e “conforter Paris dans son rôle de capitale mondiale de la mode” (reforçar Paris em seu papel de capital mundial da moda).
- Uma das formas de atingir seus objetivos, segundo seu site, é através da Paris Fashion Week, evento que também é coordenado por ela.
A história do Fashion Week
Paris se destaca por ter sido pioneira em muitos aspectos na indústria de moda, mas a Paris Fashion Week não pode ser citada como um exemplo. O costume de apresentar as roupas criadas pelos costureiros em modelos vivas, as sosies, date do início do século XX.
A preocupação com a já citada indústria da cópia, porém fez com que conhecêssemos o formato atual. A Semaine de la mode de Paris (semana de moda de Paris) somente ficou assim em 1973.
Isto é, antes de 1973 os costureiros priorizavam as apresentações apenas para clientes e compradores mais próximos. As apresentações eram feitas, muitas vezes, em seus próprios ateliers (ateliês).
Raramente havia um representante da mídia presente, e quando havia, eles precisavam seguir um calendário de divulgação das imagens feitas. Exatamente para impedir a cópia e a falsificação por outros costureiros, marcas e maisons. Isso ocorria porque a ideia com essas apresentações era tão somente estimular a compra direta dessas peças.
A capital da moda dando show
Ao contrário do que muita gente pensa, o conceito de Fashion Week não nasceu em Paris. A ideia surgiu em Nova Iorque, no ano de 1943. Ele foi criado por uma publicitária, Eleanor Lambert. Naquela época, ainda com o nome de “Press Week”, a ideia era reunir jornalistas para fazer a divulgação das criações.
Ao perceber que o formato de divulgação de peças na mídia dava muito certo, a capital da moda se organizou para fazer o mesmo. É por isso que hoje os desfiles de moda são super produzidos, verdadeiros shows. A intenção não é fazer vendas de maneira direta, mas sim de maneira indireta.
Apesar de sua Fashion Week ter se estabelecido mais tarde, vale dizer que hoje ela é uma das mais importantes. Segundo o site DEFI MODE, ao longo de suas seis edições anuais de semanas de moda, a cidade de Paris recebe em média 25.000 compradores estrangeiros e 2.500 jornalistas, gerando aproximadamente 724 milhões de euros.
Vale dizer também que os desfiles tenham sido um dos vários eventos diretamente afetados pela pandemia de COVID-19. Isso não afetou a programação da semana da Paris Fashion Week®: ela foi realizada online, mantendo o calendário de apresentações.
Cada maison inscrita no calendário oficial se apresentou através de um vídeo. Este foi divulgado nas principais redes mundiais de difusão em uma plataforma, junto de outros conteúdos produzidos para a ocasião. A melhor parte? Você pode conferir tudo aqui no site da Fédération de la Haute Couture et de la Mode.
Mas será que ainda podemos dizer que Paris é a capital da moda?
Depois da década de 1980, uma série de outros polos relevantes em termos de moda começaram a surgir. Londres, Nova Iorque, Japão, Milão, Antuérpia…
Ademais, a alta costura não é o segmento de roupa mais consumido atualmente (alô, fast fashions!). Ainda assim, não são poucos os que afirmam que a moda francesa é a melhor do mundo.
Mas e aí, o que vocês acham? Conta para gente nos comentários!